11 junho 2011

Ainda sinto….

É engraçado como passados tantos anos ainda me lembro do cheiro que a casa tinha por volta dos meus cinco anos. O cheiro da cola das colagens, do jardim na primavera, o cheiro do sol a bater no cimento nu do pátio. É engraçado e, por vezes, ainda me deixa melancólica, como se parte da minha vida tivesse sido desperdiçada.
Hoje, os cheiros são completamente mais fortes. O cheiro do pêlo do gato, o cheiro a cão, o cheiro a cama por fazer, o cheiro da televisão por ligar, o próprio cheiro da casa sem mim ou comigo, são aromas que se intensificam com o passar dos anos, porque cada vez mais identifico o meu habitat.


Guardo numa pequena caixinha o cheiro de Paris. Na primeira noite que passei novamente em casa, “construi” uma caixa na qual guardo tudo referente àquela semana. Dentro dessa caixa, existe uma mais pequena, com pequenas migalhas de papel perfumadas com os diversos perfumes que lá experimentei. Durante quase um ano, a minha própria carteira cheirava tão intensamente a Paris, e, quando finalmente o cheiro partia, senti-me cada vez mais longe daquilo que hoje penso que não passa de uma ilusão. E é aí, quando duvido que Paris exista, que vou à pequena caixa do cheiro e encontro a realidade.
Chega até a ser patético, mas a Casa nunca se esquece. Tal como nunca esquecerei o cheiro do cimento do quintal num verão, o cheiro da cozinha num almoço, o cheiro do pêlo dos gatos e o cheiro da infância, nunca esquecerei o cheiro de Paris, porque é único.
Uma vez disseram-me «se te sentes tão ligada, parte» e eu respondi «não é assim tão fácil, amo a cidade, mas também vos adoro». Hoje, sei que é exatamente essa a verdade: a casa é ali ao virar de Castela, mas sinto que esta também é a minha casa, porque aqui estes cheiros são o meu ser desde sempre.

A memória é, então, uma pequena caixinha, tal como a que tenho de Paris, em que se guardam todos os aromas e recordações, é, como dizia o poeta, “um caos” solitário e intimo, impartilhável.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Espero estar incluída no "vos adoro"!
E a tua Casa, enquanto a artista apaixonada que és, é lá, mas enquanto a pessoa que eu conheço, admiro e adoro, é aqui, junto de nós!

B.R