Capítulo III – Mudanças!
A pacificidade daquele lugar era peculiar. Era, definitivamente, a minha alma, mas era tão calma que, dificilmente, poderia ser parte do meu ser. De um eu que sempre correu vida fora, exigindo mais destreza, mais perfeição. Não! Eu nunca seria tão serena, tão magnífica. Contudo, a alma era minha e o céu confirmava-o. Quem mais teria aquele azul a pintar as entranhas? Ninguém. A tonalidade era singular, como um céu noturno desbotado e derramado sobre um mar do pôr do sol. Como uma nascer do sol mais escuro, mas, igualmente, deslumbrante. Era a cor que sempre estivera nos meus olhos. Era a forma como eu via o mundo. Toda a dor e sofrimento confundidos pelas saudades dos segundos de alegria. Eu ouvia o levantar da vida. Ouvia as vozinhas das folhas, o abrir das flores, o bater do coração do mais pequeno animal. Era impressionante a forma como eu me sentia parte e expectadora do vale, narrador e narratário daquele drama. O dia nascera e, agora, ouvia sobretudo, uns pesados passos apressados similares aos meus usuais. Era o despertar da minha monstruosidade? Aproximava-se e eu não podia fugir. Abrandaram! O coração voltou ao compasso comum. Era, de novo, só eu, o vale e o pequeno sol que pintava o céu. Senti felicidade, quando uma borboleta fitou os meus olhos e eu pude reconhecer que aqueles não era uns olhos animalescos, cheios de instintos brutais, eram, na verdade, uns olhos tão humanos como os meus. Então, percebi que esta não era, apenas, a minha alma, o meu vale, o meu destino, era o mundo real e o casulo de todas os seres que, como eu, haviam abandonado as pequenas gaiolas infantis e, corajosamente, enfrentado o sol abrasador. O céu era meu, sim, mas o manto de relva sempre tão regado pela gotículas primaveris era pertence de outro coração mudo que, assim, se expressava. A solidão, pela primeira vez, pareceu menor. Naquele dia, sabia que nunca poderia contar com nenhum outro habitante, mas, sobretudo, era conhecedora da companhia que rodeava a minha vontade de marcar o mundo. A marca, tinha decidido, seria sempre da forma que alterara o vale: pintaria a vida de cores singulares e estranhas. O mundo não seria uma erma cumeada, nunca mais, porque a minha essência transformaria todos os desertos em campos de cultivo e todas as montanhas em planícies apetecíveis. O Inverno seria sempre guardado para aquecer as moradas etéreas mais frias. Eu seria a ave mais autêntica e capaz. Porém, o mundo não quis ser colorido com as cores que eu havia querido, porque a vontade nunca é realizável. Os desertos não quiseram ser produtivos e férteis, porque é na esterilidade que residem os mais sumarentos frutos. As montanhas não quiseram ser aplanadas, porque as paisagens cavernosas, como aquelas, merecem, sempre, a mais profunda admiração. Eu, ave já dorida e, cada vez mais, calada, pousei no ramos da árvore mais só e, aí, desabei, como nunca antes desabara. Nesta noite, a trovoada foi intensa e o céu estava horrendo e magistral. Eu fugi e refugiei-me na mais brutal cumeada, que tanto desejara mudar. Naquela noite aprendi que mudar o cenário é o maior erro exequível. O cenário está sempre correto, porque é inalterável, rígido e frígido. O Homem, contudo, é racional e irracional, emocional e frio, falador e calado, é ele próprio a horrível criatura que erra, consecutivamente. O Homem não deve, porém, ser alterado, porque é o mais singular ser. Então, que fazer com a vida? Seguir o próprio riacho que explora o terreno, que se adapta. Ouvir a arejem na folhagem que se molda de acordo com o que o cenário lhe dá. O Homem deve, sempre, se acomodar ao mundo. Contudo, nunca se deve romper a luta pela mudança. Estranho, na verdade, mas real! A oposição humana será sempre mantida no coração das aves lutadores e excêntricas, porque, para nós, não basta compreender o mundo. É, antes, necessário aperfeiçoa-lo. Somos os construtores ingénuos do amanhã. Somos, quem sabe, o futuro. O frágil equilíbrio não será por nós corrompido, nós apreciamos a sua estranheza. São eles, porém, os cómodos, que acabam por ser demasiado pesados e ostentosos para o delicado manto de relva regado pelas gotinhas primaveris. São eles que o esmagam e transformam a mariposa num dragão brutal e temível!
Inspirado na Vida
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