01 setembro 2011

O coração da Ave liberta é mudo!

Capítulo II – As Asas Crescidas

No meu primeiro dia de Vida refugiei-me, fugi do Sol que então parecia ferro quente a trespassar os meus sonhos. No segundo dia, permaneci imóvel, dentro de um novo casulo, que já não era a minha abaulada gaiola, que coava o Sol e que o tornava apetecível, era agora apenas uma camada exterior rapidamente construída com o medo, que me tornava invisível e me impossibilitava de ver o mundo. Estava retida nesta situação extrema. Teria de sair por completo, porque, de outro modo, jamais cresceria o suficiente para enfrentar a realidade. No terceiro dia, pela madrugada, rompi, finalmente, comigo mesma e corri livremente pela primeira vez. As minhas asas ainda estavam tenras, mas já crescidas, já não era a criança que sonhava ingenuamente. Sabia que não subiria ao penhasco mais alto para depois dele saltar e voar o meu mais sonhado voo.
Não tive medo, quando vi o primeiro raio de Sol, bati as asas e voei na sua direção, queria ver se era tão quente e tão nocivo como me lembrava. A luz e o calor fortaleceram as pequenas penas que instintivamente batiam e derreteram qualquer susto que o meu coração mudo poderia ainda albergar.
Lenta e dolorosamente fui deixando a antiga morada, afastando-me da janelinha aberta que me convidara a sair e que agora me convidava a voltar, de forma cobarde e sensabor. Eu, porém, não voltei, não regressei ao parapeito da abertura, nem mesmo para, por um breve momento, fitar a gaiola que me protegera e que, provavelmente, hoje seria a casa de um outro coração. Afastei-me sem olhar para trás, porque não sabia se seria capaz de resistir à errada, mas doce, tentação.Quando já não via o meu pequeno primitivo casulo, pousei, uma vez que já me encontrava suficientemente fora do alcance dos seus encantos. Durante uns momentos observei a pequenina paisagem. Ao fundo ouvia um pequeno riacho, mas os corações que me rodeavam eram mudos, e então eu soube que tinha chegado ao Éden dos corações libertos e adultos, não necessariamente maduros.
Voei mais um pouco, rodeando todo o pátio iluminado pelo sol matinal. Fui conduzida pelo meu coração, eu ouvia-o.
Durante setenta e quatro dia mantive-me aí, neste delicioso prado, e eis que ao septuagésimo quinto dia, parti! Era já madrugada precoce, a lua estava a desvanecer-se no azul que crescia, as minhas asas estavam fortes e capazes. Quando o Sol nasceu, já estava longe e sozinha, outra vez. O meu casulo era, agora, o mundo, a realidade, e sentia-me capaz de o conquistar com as minhas pequenas mas ginasticadas asas.
Quando o sol começava a murchar, já eu havia chegado ao meu destino. Estava mais uma vez na janela aberta que me libertara, olhava incessantemente para a gaiola vazia e questionava-me sobre se mais alguém alguma vez a teria voltada a habitar, a preencher. Para mim seria sempre a minha infância, a Minha gaiola abaulada, a minha proteção, o lugar onde a luz coada me iluminava o rosto, seria sempre o lugar da voz ativa do meu coração.
Antes mesmo da Lua se afirmar, eu já partira.
Naquele voo as minhas asas eram tão infantis no bater, eram tão precoces. O meu coração era tão falador, tão aflito e tão apertado. Temia ter falhado, temia não ser nem um quinto daquilo que esperava de mim própria. Mas, então, cheguei a um sitio maravilhoso: a luz era radiosa, o céu era azul mar profundo, como uma noite adormecida de Verão, a relva era fresca, e haviam gotinhas de sereno espalhadas nos frágeis pés de leão. O prado cheirava a arte, um odor a tinta antiga e a pêlo de gato acabado de lavar, algo limpo, algo misterioso, algo mágico. A vida aí era solitariamente acompanhada, não havia mais nenhum outro coração, apenas o meu, que agora batia furiosamente. E foi, então que compreendi que tinha chegado à minha alma!


Inspirado na Vida,
IP


 

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