27 setembro 2013

Miséria.

Mesmo quando o sol está refém do manto celeste, decido despertar!
Em menos de duas horas, estou porta fora. Em menos de duas horas, vejo o mundo a cair aos pedaços.
Todos os dias, a mesma história, o mesmo desfecho.

Palmilho a rua, lentamente, ainda imersa num mundo não real. Conquisto as escadas intermináveis e ao fundo, no meio do trânsito, já posso ver o mísero homem doente a pedir esmola aos inúmeros carros que param obrigados por qualquer invenção humana.
Vejo-lhe a bengala. O casaco gasto. O cabelo oleoso. A expressão de quem pede ajuda já sem esperança.

Sigo em frente. Ignoro. Sou, portanto, mais uma das que lhe foge.
Cruzo ruas em busca de um lugar seguro. Passo um jardim predileto. Vejo as gentes avolumarem-se. Observo a pressa, a arrogância e a humildade.

É sobre este homem - o homem português - que lhe quero falar.
É sobre o seu andar de inválido e sobre este corpo que a sociedade esquece.
Entre ideologias diversas, pessoas que prometem e eleitores que acreditam, mantem-se sempre esta grave lacuna: uma ajuda social eficaz!

Venho de um lugar onde só há pedintes anónimos. Aqui, estão por toda a parte e tocam-me.
Sou eu a única incapaz de aguentar mais dias de mal gestão?
Vejo recursos a serem deitados à rua e a falharam o alvo. Estamos num país com um pontaria terrivelmente pobre.

Por um lado, encaro ratos obesos que gozam os contribuintes. Esta foi sempre a minha única verdade.
Chegada, porém, ao outro lado da estrada, encontro o jovem que dança na esperança de uma moeda, o idoso cansado que implora por um auxílio, a mulher que leva um rosto curtido dos dias e da fome.
Se antes havia em mim tal raiva causada por uma distribuição injustamente desigual, hoje é fúria que me consome. 
Depois de ver os "necessitados" viverem como reis que desperdiçam, continuamente, palácios, vejo um vento capaz de varrer homens e mulheres.

Amanhã, pelas mesmas sete horas de uma manhã ainda escura, verei, certamente, a mesma vontade gasta de não morrer, que se esvai lentamente.
Ao longe, sempre ao longe, até que um dia a vela se apaga e aí saberei que tudo está perdido.

Não valerá a pena proteger esta chama. Ou pelo menos tentar?

Inspirado na vida,
IP




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